esperança

Por Luiz Fernando Calaça de Sá Júnior*

Aprendi, há uns 11 anos atrás, nos meus tempos de estágio em Psicologia Hospitalar, na minha passagem pela psicooncologia no Hospital Aristides Maltez, que diante do luto e da morte há algumas atitudes esperadas:

1) negação; 2) raiva; 3) barganha; 4) depressão/interiorização; 5) aceitação.

Esse modelo, hoje clássico, foi criado pela Elizabeth Kubler-Ross, autora de referência na área de cuidados paliativos na sua atuação junto a pacientes oncológicos em situação de terminalidade.

Além dessas reações e atitudes esperadas, creio que hajam outras…


6) despersonalização (humor, ironia ou cinismo);

7) desespero, fatalismo catastrófico;

8) hedonismo, entrega aos prazeres imediatos.


Somos humanos. Nossas reações podem ser as mais variadas.

Uns se apegam à vida com unhas e dentes, outros se entregam à morte num jeito de aceitação resignada, outros ainda, vivem o aqui e agora como único e último momento.

Nenhuma dessas atitudes é necessariamente boa ou ruim. Nem todos tem a sabedoria e a serenidade necessários para uma atitude 100% racional e realista.

Reflito agora sobre isso, olhando para meu próprio medo – catastrófico/fatalista? realista? – da morte.

A morte é uma certeza, uma realidade inexorável.

TODOS iremos morrer!

Como? Quando? Onde? Sozinhos ou acompanhados? Felizes ou tristes? Plenos ou incompletos? Serenos ou angustiados?

Em algumas religiões a morte é um fato esperado. Em algumas é até mesmo um fato desejado, pela esperança de uma vida após a morte e a certeza de um recomeço.

O que temos para hoje? O que de fato sabemos de nossa vida e de nossa morte? Estamos preparados para viver e morrer?

Reflexão pesada. Difícil. REAL. Admito!

Não estamos preparados para nossa finitude ou para a finitude de quem amamos.

Não aceitamos a aceitação da morte, nem a desistência da vida, nem a estrega ao agora sem perspectiva de um depois que nos seja seguro ou cheio de expectativas boas de plenitude e realização.

A morte, no entanto, é nossa única certeza diante da incerteza da vida. A vida é inconstância desde a nossa concepção. Nascemos já predestinados para o fim. O misterioso e inevitável fim.

Tememos a morte por não sabermos com segurança se de fato haverá um além da morte, um depois da morte, uma outra vida.

Nesse momento*, creio ser importante refletirmos todos sobre isso.

Não basta nos ocuparmos do tempo ocioso, preenchendo nossos dias de quarentena – para os que podem parar e fazer quarentena. Não basta crermos que isolados estaremos salvos.

Não!

Não estamos a salvo da certeza da morte.

Ela virá. E precisamos estar preparados para ela.

 Cedo ou tarde, com alívio ou dor, com serenidade ou angústia, com medo ou expectativa.

Podemos até tentar ser indiferentes a ela, mas ela não nos é alheia.

Talvez nos indiferenciemos após seu encontro. Talvez mergulhemos na condição mais democrática da indiferenciação como seres finitos, mortais e perecíveis, dada a certeza de que todos nós morreremos uma hora ou outra.

As estatísticas mostram isso. Número de mortos, indiferenciados. Corpos sem vida, atestados, sepultados. Nesse atual contexto nos alarma esses números, esse dado matemático.

E as vidas vividas? E as pessoas? E suas histórias singulares?

Na multidão tudo isso é abstraído.

Na intimidade, isso é tudo o que verdadeiramente tem sentido.

Os amores. As lembranças. Os momentos. O que fica do que foi e se findou.

Olhemos para isso. Para a vida. Para quem amamos. Para quem nos significa e nos são significativos.

Amemos a vida e aceitemos a finitude, nossa e dos outros.

Amemos a nós e aos outros também, nas angústias, nas dores, no medo, na negação, na raiva, na fuga, na loucura, no desespero, na recusa, na resignação, na obstinação, na entrega e na aceitação.

Aceitemos nossa humanidade, na vida e na morte, no hoje e no amanhã.

E esperemos todos pelo inexorável destino que nos espera.

Esperemos!

Esperancemos.

* Psicólogo baiano, graduado pela Universidade Federal da Bahia (2009), com formação em Gestalt-Terapia pelo Instituto de Gestalt-Terapia da Bahia. Cursou pós-graduação em Filosofia Contemporânea pela Faculdade São Bento da Bahia. Teve experiência em Psicooncologia no Hospital Aristides Maltez/Liga Baiana Contra o Câncer, em seu estágio curricular em Psicologia Hospitalar, com orientação em Psicoterapia de Curta Duração. Após graduar-se, foi admitido na Infraero – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, atuando nas áreas de Psicologia da Saúde Ocupacional e na de Treinamento. Reside em São Paulo a 2 anos.

** Texto escrito em 22/03/2020, no segundo dia de quarentena do autor, frente a pandemia do COVID-19.

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