suicídio

Por Ms. Dorival Alonso Junior

“Se Deus criou as pessoas para amar e as coisas para cuidar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas?”

Bob Marley

“Venho aqui para anunciar o falecimento de fulano de tal, casado com… pai de… Foi uma pessoa digna, de caráter, um bom esposo e pai de família…”

Desde muito cedo somos deparados com esse tipo de anúncio, mas nunca sabemos o que levou essa pessoa ao desenlace: morte natural? acidente? doença? suicídio? Esta última motivação, então… a família esconde a sete chaves.

É um assunto que vem me intrigando há algum tempo, até porque, dentro dos meus 30 anos como psicólogo, já ouvi N vezes a frase: “quero morrer”, mas o paciente não sabe como poderia executar tal intenção.  Se eu mesmo falar que a ideia de desistir da vida NUNCA passou pela minha cabeça, estarei mentindo.

Então, vamos refletir um pouco sobre esse assunto. A ideia é iluminar esse campo da desistência. Quem sabe poder ajudar outras pessoas que estão passando por essa crise a repensar as questões todas envolvidas e… escolher a vida!

No ano de 2018, convidado por uma instituição, fui proferir a seguinte palestra sobre o Suicídio: “Suicídio: quando a vida perde o sentido”.

E aqui, vou recordar o que falei na época… vamos lá:

O Suicídio é a confirmação concreta da descontinuidade do sentido da vida. Mas explico: quero aqui colocar “confirmação da descontinuidade” entre aspas, até porque a palavra “concreta” da afirmação anterior dá sentido de que o suicídio executa o fim da existência. De onde vem essa confirmação? Não quero entrar aqui no campo religioso, mas essa “afirmação” é realmente verdadeira? E se ao acabarmos com nossa vida física, descobrirmos que a vida continua? Seu sofrimento continua em uma outra dimensão? E provavelmente com mais um agravante: há outras pessoas sofrendo pela sua partida precoce.

E aí eu lanço mais um questionamento: o suicídio é um gesto de covardia ou de coragem? Só quem já ouviu relatos de alguém que tentou acabar com a vida é que vai perceber que a resposta não é, nem covardia, nem coragem, é um ato de desespero.  “Eu não queria morrer, eu só queria tirar de dentro de mim essa dor que não passa”. No consultório eu já ouvi isso mais de uma vez.

Segundo uma citação de Pablo Picasso, “o sentido da vida é encontrar o seu dom e o propósito da vida é compartilhá-lo”, o que nos leva a pensar a respeito do sentido da vida. Muitas pessoas que “perderam” ou “nunca encontraram” este sentido da vida acreditam que a única saída é a morte. Fica aqui a dica para leitura dos livros de Viktor Frankl (1905-1997), sempre muito interessante, já que suas obras são muito confessionais: por ser judeu, ele passou vários anos nos campos de concentração nazista de Auschwitz, na Alemanha da II Grande Guerra e, procurando pelo sentido da vida para aguentar pelo menos mais um dia, conseguiu sobreviver cinco anos, enquanto as pessoas ao seu redor foram morrendo ou sendo assassinadas pelo regime ditatorial e fascista de Hitler. Assim deu consistência ao termo “resiliência” tão amplamente usado hoje.

Pare aqui um pouco e reflita: o que é a vida senão um grande mistério cheio de impermanência? Nada hoje é igual ao que foi ontem e acredito que o mais gostoso é o sabor da caminhada. Como eu gostaria de saber o que cada leitor pensa sobre isso. Uma frase que gosto muito: “somos seres únicos”. Ricardo Siri Liniers, em uma de suas “tirinhas”, disse: “estamos todos nesta mesma bola, girando no Universo. A graça está no mistério. Se soubéssemos as respostas, a vida seria tediosa”.

Valdemar Augusto Angerami, o Camon, provavelmente o mais prolífico autor de livros da psicologia, em sua maioria sobre Psicologia Hospitalar e sobre perdas e a depressão, escreve: “a autodestruição faz parte das possibilidades humanas, e um número incontável de pessoas a isso acode frente às situações de desespero e desesperança que a vida apresenta”. 

Arrisco-me aqui em falar sobre o medo que nos acomete quando percebemos que a vida não nos garante que sempre tudo vai dar certo. Me preocupo com as crianças e jovens que hoje recebem de tudo e não sabem lidar com as frustrações, em um mundo que muda mil vezes em 24 horas. Não dá para ter tudo o que queremos e nem todas as pessoas que acreditamos que viveriam para toda vida ao nosso lado. A coisa é tão seria que basta um apertozinho no peito para a pessoa se encher de remédios controlados, muitas vezes SEM qualquer acompanhamento médico. Isso me assusta. Não deixa de ser um suicídio, e às vezes, perdendo o controle da dose, morre sem querer morrer.

Segundo estatísticas, a cada 40 segundos temos um óbito por suicídio no mundo, me arrisco a dizer que esse número só tende a aumentar, infelizmente.  

Talvez a chave para reflexão seja, “por que a gente está aqui nessa vida? Uns buscam respostas na religião, outros nas leituras, nas pesquisas, na mitologia e tantos outros lugares.  Poderíamos apenas responder: – Já que estou aqui…. então, porque simplesmente não aproveitar cada minuto como se fosse o último?

Antonio Machado, o poeta espanhol, afirma que não há caminhos, que caminho se faz ao andar, e tem uma observação de Jorge Ponciano Ribeiro (Ponciano, 2011) que inverte a ação afirmando que o caminho constrói o caminhante. Olha que forma poética de dizer que somos responsáveis pelo nosso caminhar e assim acreditar que cada obstáculo faz parte do crescimento e que não tem nada de errado nisso.

Vou aproveitar que citei Ponciano (2011) e colocar algumas citações sobre o conceito de pessoa.

 “Não podemos criar uma noção de pessoa para enquadrar as pessoas dentro dela […] Ou seja, a definição, na prática, cristaliza o objeto, retira de sua essência as infinitas possibilidades que ele encerra, torna-o como um retrato de parede, todos o reconhecem, mas subjetivamente lidam com ele de modos diferentes […]. Pessoa é, portanto, um campo constituído pelas relações de pessoas com outras pessoas e destas com o mundo, enquanto tal, sendo constituída no mundo e pelo mundo […]. Quanto mais a pessoa se individualiza, mais ela se percebe como pertencendo ao Universo e em íntima relação com ele”.

É claro que as ideias não se esgotam aqui, mas fiquemos com essas definições por ora e o que podemos entender com elas. Eu diria que, quando descobrimos nossa verdadeira subjetividade, quem realmente somos, criando nossa verdadeira individualidade, estaremos inteiros e não teremos porque desistir das dificuldades, porque estaremos mais conscientes de que todo sofrimento, medo e dificuldades vão estar presentes e vão nos construindo como seres únicos.

Frente a esse pensamento acima, podemos citar Caymmi (2018) que traz em suas observações o quanto estamos sendo “invadidos”, seja pelas redes sociais, televisão, entre outros que, sobrecarregam a todos nós com informações do que é certo, e claro, quando esse “certo” não condiz com o que queremos viver, muitas vezes, nos frustramos por acreditarmos que estamos fora do padrão, não no sentido positivo de que somos únicos e sim, muitas vezes, no sentido de se sentir um nada, um fracasso: uma forte diminuição da autoestima e isso pode levar uma pessoa ao desespero e culminar em uma morte prematura. A autora nos mostra a necessidade do “silêncio” para que possamos encontrar nosso verdadeiro eu. Se não sairmos dessa invasão, vamos ficar sempre nos comparando e, muitas vezes, acreditando que a vida não vale mais a pena.   

Retomando a questão da ideação suicida, apresento a vocês Karina Fukumitsu (2005), especialista sobre luto no Brasil, que nos apresenta três fatores presentes nessa ideação suicida, aprovados pela OMS, a seguir:

  1. AMBIVALÊNCIA. A maioria das pessoas tem sentimentos confusos sobre cometer suicídio. O desejo de viver e o desejo de morrer surgem como uma batalha no indivíduo suicida. Existe uma urgência de se libertar da dor de viver e uma corrente contra que manifesta o desejo de viver. Muitas pessoas suicidas não querem morrer na realidade – apenas estão descontentes com a vida. Se o suporte é oferecido e o desejo é ampliado, o risco suicida é reduzido (grifo meu).
  2. IMPULSIVIDADE. O suicídio é também um ato impulsivo. Como qualquer outro impulso, o de cometer suicídio é temporário e dura alguns minutos ou horas. É normalmente despertado por eventos negativos do dia-a-dia. Detalhar o motivo da crise e solicitar que o suicida disponibilize um tempo para ajudar a si mesmo, o que pode reduzir o desejo suicida.
  3. RIGIDEZ. Quando as pessoas são suicidas, seus pensamentos, sentimentos e ações apresentam-se enrijecidos. Eles constantemente pensam sobre suicídio e não conseguem perceber outras maneiras para sair do problema. Eles pensam drasticamente.

Podemos entender que precisamos dar suporte para essas pessoas que estão confusas, e muitas vezes buscam ajuda em lugar errado. Não basta pedir para a pessoa ter fé que vai dar tudo certo, não é assim que funciona, pois ela precisará falar dessa dor e da angustia; o outro tópico é ajudar a pessoa a controlar esse impulso, conversando com ela, a fim de tirar o foco que naquele momento é de acabar com sua vida e, assim também estaríamos ajudando no terceiro item que é a rigidez, se não ajudarmos ela mudar o foco, inevitavelmente ela irá realizar o que vem profetizando para si.

“A tarefa de viver é dura, mas fascinante”, dizia Ariano Suassuna. Infelizmente, as pessoas estão se esquecendo do quanto é fascinante viver. Vivemos uma era que não anda e sim galopa, é como se vivêssemos em uma corrida em que, quem correr mais lento, está fora da partida. Muitas cobranças, muitas mudanças… muitas… muitas…  e a pergunta: cadê o silêncio?

Zigmunt Bauman já vinha alertando através de seus escritos, sobre a fragilidade dos laços humanos: “As relações se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Seja real ou virtual”.

É comum não identificarmos o que sentimos, por isso tudo vai ficando sem sentido, e muitas vezes queremos respostas prontas, principalmente pela rede social que tomou conta de nossa sociedade.  Nessa semana tive duas experiências que poderíamos chamar de inéditas. Vamos lá: a primeira em um workshop virtual, em que pessoas ficavam com a câmera e microfone fechados. Achei aquilo estranho. Mas, dois dias depois,  em uma palestra (segunda experiência), novamente o mesmo fenômeno: pessoas com suas câmeras fechadas e microfones fechados. “Como assim?”, fiquei sabendo que esse é um procedimento normal, e muitas pessoas vem para esses “encontros” virtuais para buscar um certificado. Oi? Vem só para buscar um certificado? Ouvi certo? E o palestrante que está habituado com essa mudança me lembrou de muitos alunos que vão para sala de aula e não estão na sala de aula. Assim como muitas pessoas estão em tantos lugares e em lugar algum. E aí fica uma pista do que estamos vivendo: como ou quanto as pessoas estão desconectadas e não é de hoje.

Voltando nessa questão de redes sociais, e aproveitando essa ideia de estarmos desconectados, nesse mundo virtual, vale de tudo, todo mundo é lindo e feliz. É a felicidade no estilo ‘faz de conta’. “Vamos fazer uma selfie… todos sorrindo!”. Temos também as pessoas que estão felizes pelo consumo de pílulas que tiram a sensação do sofrimento e da angústia de viver, além daqueles que buscam a felicidade pela busca desenfreada e competitiva pela aquisição de bens de consumo. Mas parece, e isso está ficando cada vez mais real e certo, que esse tipo de “motivação para vida” está, cada vez mais, perdendo a graça e a pessoa se perde, perde o sentido da vida, porque, aquele que ela tinha era falso. E quando ela se torna consciente que sua vida está sem nenhum sentido, fica o questionamento se vale a pena viver.

Parece que um dos antídotos contra o suicídio é encontrar o sentido da vida. Mas ainda fica a pergunta: quem vai ajudar nesta busca e neste sofrimento humano? Será que precisamos dar fala às dores humanas? Precisamos mostrar que o melhor caminho ainda é entrar em contato com a dor e poder colocar para fora tudo aquilo que estamos sofrendo na busca de alivio e resgate da sua alma.

Citando Kaká Werá Jecupe (1998),

[…] “a vida é esse espírito manifestado em diversas formas. Em algumas tribos, ela é como um sopro divino que se corporifica. O desafio é vivê-la de acordo com a harmonia que nos inspira este mistério; a natureza, em que tudo se conecta, revela o sentido da vida. A saída é por dentro. A porta é o silêncio”.

E para finalizar, mesmo sabendo que o assunto não se encerra aqui, ficamos alertas ao fato de que a vida está a todo tempo se transformando, oscilando entre equilíbrios e desequilíbrios. Fechando e abrindo “gestalten”. Vamos nos conscientizar da necessidade da humildade para pedir ajuda e estar prontos para procurar ajuda, antes que seja muito tarde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANGERAMI, VALDEMAR AUGUSTO – Camon.  Sobre o suicídio: a psicoterapia diante da autodestruição. Belo Horizonte: Ed. Artesã. 2018.

BAUMAN, ZYGMUNT. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

CAYMMI, ALEXANDRA. Apostila do curso de avançado da TSFI. Campinas, 2018.  

FRANKL, VIKTOR. Um sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2014.

FUKUMITSU, KARINA OKAJIMA. Uma visão fenomenológica do luto. Campinas: Livro pleno, 2004.

__________. Suicídio e Psicoterapia: uma visão gestáltica. Campinas: Livro Pleno, 2005.

RIBEIRO, JORGE PONCIANO. Conceito de mundo e pessoa em Gestalt-terapia: Revisitando o caminho.  São Paulo: Summus, 2011.

JECUPÉ, KAKA WERA. A terra dos mil povos. São Paulo: Saraiva, 1998.

DORIVAL ALONSO JUNIOR, Psicólogo Clinico e Organizacional. Graduado e Pós graduado em Psicologia pela PUC de Campinas. Coach, Mentoring e Holomentor, formado pelo Instituto Holos. Consultor com mais de 25 anos de experiência na área de Recursos Humanos e Psicologia Organizacional. 15 anos como docente nos cursos de Graduação e Pós Graduação.  Constelador pelo sistema TSFI – Terapia Sistêmica Fenomenológica Integrativa. Atendimento clinico em São José do Rio Preto/SP e Fronteira/MG, atendendo família, casal e individual (crianças, jovens e adultos).

https://www.orirh.com.br/

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