inclusão

O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 6.159/2019, que cria a opção para empresas de trocar o cumprimento de cotas de contratação de deficientes pelo pagamento de valor equivalente a dois salários mínimos à União. O montante pago, conforme a proposta, seria destinado ao financiamento de programa governamental voltado à reabilitação física e profissional, que ainda deve ser criado. A mudança surge em meio à dificuldade de as empresas cumprirem as cotas de inclusão e pode ameaçar, ou mesmo significar o fim, de uma política de quase três décadas voltada à inclusão de Pessoas com Deficiência (PcDs), avaliam especialistas em Direito do Trabalho.

Entre 2010 e 2017, o percentual de trabalhadores com esse perfil no mercado de trabalho formal subiu de 0,69% para 0,95%, conforme números do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais), divulgado pelo Ministério da Economia.

Atualmente, a Lei de Cotas (Lei 8.213/1991) determina que empresas com 100 ou mais empregados devem preencher cotas de contratação de PcDs, de modo que empresas com até 200 empregados devem ter no mínimo 2% de trabalhadores com deficiência em seu quadro de funcionários. O percentual sobe para 3% no caso de empresas que tenham de 201 a 500 funcionários; para 4%, no caso de 501 a 1.000 trabalhadores; e para 5% no caso de empresas que tenham a partir de 1.001 funcionários contratados.

“Este projeto encaminhado pelo governo incentiva as empresas a deixar de cumprir as cotas, visto que sairá mais barato o pagamento dos dois salários mínimos do que a contratação e capacitação de uma pessoa, que, por sua vez, teria todo os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, alerta Bianca Canzi, advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

O também especialista em Direito do Trabalho, Felipe Rebelo Lemos Moraes, advogado do escritório Baraldi Mélega Advogados, entretanto, pondera que hoje as empresas enfrentam um cenário de extrema dificuldade para cumprir a integralidade das cotas de inclusão. “A maior dificuldade é encontrar postos compatíveis com as deficiências. Isso porque em determinados segmentos é extremamente difícil adaptar o posto de trabalho. Não somente a função deve ser compatível com a deficiência do trabalhador, mas todo o ambiente deve ser adaptado, o que nem sempre é possível, principalmente em atividades rurais”, afirma.

A legislação hoje proíbe a dispensa de um empregado portador de deficiência ou reabilitado sem que seja feita a contratação de outro na mesma condição, com a exceção do caso em que o funcionário desligado atuasse por meio de contrato temporário de até 90 dias. O desrespeito às regras pode resultar em multas para as empresas por parte dos órgãos fiscalizadores e até mesmo na instauração de procedimento no Ministério Público do Trabalho (MPT) para estabelecimento de Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

O descumprimento das cotas também costuma chegar à Justiça do Trabalho quando as empresas, por exemplo, buscam anular as multas aplicadas. “A jurisprudência analisa se a empresa ao menos se esforçou para contratar essas pessoas. Acredito que a dificuldade na contratação está intimamente ligada ao modelo de educação das escolas do Brasil, o que interfere na mão-de-obra qualificada na fase adulta. O projeto visa atingir diretamente essas pessoas, que tanto sofrem desde cedo para se integrar à sociedade. Pouca política pública é feita para preparar essas pessoas”, analisa Rafael Jacopi, advogado especialista em Direito do Trabalho do escritório Stuchi Advogados.

Discriminação e debate

Embora a Lei de Cotas tenha completado 28 anos de existência em julho desse ano, números demonstram que ainda há pouco conhecimento sobre a legislação.

Estudo divulgado em 2017 pela consultoria i.Social apontou que 30% das lideranças de empresas ouvidas pela pesquisa diziam que nunca ouviram falar ou pouco sabem sobre a Lei de Cotas. A pesquisa mostrou ainda que 88% do total de respondentes, que também incluiu profissionais de Recursos Humanos (RH) e funcionários das empresas, afirmavam que a contratação de PcDs era realizada apenas para o cumprimento da legislação.

A percepção do impacto da Lei de Cotas, entretanto, é diferente entre os trabalhadores. Pesquisa do Ministério Público do Trabalho em São Paulo, divulgada na última semana e que ouviu trabalhadores com deficiência na cidade de São Paulo (SP) e na região metropolitana, apontou que 89% dos entrevistados se consideram ajudados pela Lei de Cotas. Para 86% dos entrevistados, a lei promove o aumento da visibilidade social e 82% creditam a ela o aumento do poder aquisitivo das PcDs.

“Acredito que a lei realmente ajuda as pessoas com deficiência na inclusão no mercado e na sociedade em si, de modo que o resultado do levantamento demonstra um alto índice de inclusão, sendo que o acolhimento do projeto de lei diminuiria e muito os índices mencionados”, opina Daniel Ferreira Martins, advogado trabalhista do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo Advogados Associados.

Para que a proposta seja aprovada pelo Congresso Nacional, é necessário que passe pela análise dos parlamentares em comissões na Câmara dos Deputados e em duas votações no plenário. Em seguida, o mesmo deverá acontecer no Senado Federal. O governo poderá promover vetos na versão final do projeto, que seriam depois derrubados ou mantidos pelos deputados e senadores.

Daniel Ferreira acredita que a aprovação da proposta pode estimular a discriminação e exclusão das pessoas com deficiência na sociedade. “O Brasil é um país que ainda luta contra o preconceito e deputados já estão se manifestando contra a aprovação”, afirma.

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