Karen França Pereira, de 31 anos, formada em gestão de recursos humanos, sempre teve como sonho fazer um intercâmbio cultural. Ela conta que desde a quinta série, quando começou a aprender inglês na escola, não parou mais. Órfã, seus pais morreram quando ela ainda era pequena, de família humilde, em Santo André, na grande São Paulo, Karen manteve as esperanças sempre acesas. Fez curso de comissária de voo, tentou atuar por anos até conseguir entrar na área de aviação, mas não como comissária. Até que um dia uma amiga a perguntou se ela não queria se candidatar para trabalhar num navio. “Batata. Apliquei e de primeira fui chamada, mas fiquei quatro anos vivendo nessa vida a bordo. Nunca quis Dublin. Nunca me imaginei na Irlanda. Do nada, em meu último contrato, cansada da rotina árdua a bordo, quando me vi com a grana na conta, comprei a passagem para o local mais acessível e que caberia no meu bolso. Ali eu havia decidido que a hora de realizar o sonho chegou . Estou na Irlanda há 1 ano e 1 mês”, conta Karen.
Karen está bem na Irlanda. Diz que o país tem sido ótimo para ela, mas ela ainda quer morar em outro lugar. “Como havia dito, eu nunca imaginei Irlanda. Tenho um desejo muito grande em morar na Nova Zelândia (Queenstown), mas o que cabia no bolso naquela hora era a Irlanda e eu precisava dessa mudança. Gastaria o dobro para ir pra lá. Não me arrependo nadinha. Fui recebida de braços abertos. A Irlanda tem sido muito boa para mim. Adoro climas medianos, tipo, solzinho com vento. Nada de extremos, muito frio ou muito calor. Aqui, sete meses do ano faz frio. Três são meio a meio e dois são calor. Meu maior medo era o clima mesmo. Se adaptar não é fácil. Aconselho as pessoas a chegarem antes do inverno para o corpo ir se acostumando. A Irlanda é uma Ilha banhada pelo Oceano Atlântico, ou seja, venta de todos os lados e todo dia quase e chove sempre, mas é uma chuva que não te impede de sair e fazer suas coisas”. Ela fala sobre outro desafio para os intercambistas, a solidão. “Eu já vivia em uma realidade onde sempre caminhei sozinha na vida, mas aqui bateu de uma forma inexplicável. Acredito que o intercâmbio faz isso. Quando percebi que os meus sinais poderiam ser depressão ou algo assim, busquei ajuda. Foi o melhor que pude fazer. Olhei para dentro e aprendi muito sobre mim. Sobre solidão e solitude. Sobre viver. Aqui é tipo uma roda gigante de emoções. Um dia você está radiante, no outro, cinza e opaco como o céu no inverno”.
Intercambista, ela fala sobre a vida de estudante na Ilha. “Aqui ninguém sobrevive com 20h de trabalho (aproximados €800). Existe uma crise imobiliária gigante aqui, o que fazem os alugueis serem caríssimos e muitos landlords agirem de má fé pela falta de opção e desespero de quem chega. Por outro lado, o restante é bem acessível. Somos estudantes/imigrantes. Na maioria das vezes, eles sabem que aceitaremos, digamos, qualquer coisa para sobreviver. Não costumo dizer ‘subemprego’, pois aqui não existe isso. Todo emprego é digno, mas trabalhos mais pesados como cleaner, housekeeping, kitchen porter, delivery, floor staff e afins, são sempre preenchidos por nós. Estudantes e imigrantes. Sempre. Raramente alguém sem passaporte vai estar em uma posição acima ou superior. Mas eu, acredito que são esses desafios, de tipo, o engenheiro virar KP, a advogada ser cleaner, a médica trabalhar com home care, que faz com que você cresça, seja humilde e se torne uma pessoa melhor. Nem todos conseguem. Ah e sempre temos prazo de validade. Sempre. Isso mexe com a gente. Para ter visto de trabalho não é fácil, porém não é impossível. Para ser residente leva anos e para que isso aconteça é com o visto de trabalho inicialmente, visto de estudante (faculdade/pós) ou se casando com algum europeu”. Os gastos fixos de Karen são de aproximadamente €600/mês. “Moro em um single (€400/40 minutos do centro). €80 transporte/mês. €20 internet/mês. €80 mercado/mês (€20 por semana). Se uma pessoa não quer morar longe, um single, próximo do centro é por volta de €700/800. Ridículo, mas real. Mercado aqui é mega barato. Justo. Acessível para todos. Transporte é ok. O problema é que para tudo cedo, mas o país está trabalhando para que isso mude. Comércio tem para todos os gostos. Desde os caros, de grife, e lojas de departamento acessíveis”.
Agora, no meio do caos da quarentena, ela buscou coisas para ocupar a mente e uma delas foi ir atrás de informações dos seus antepassados. “Eu já havia escutado algo, mas como minha família é bem longe de ser unida e é bem complicada, achei que isso jamais seria possível, muito menos com a ajuda deles, foi aí que eu me enganei. Descobri duas (italiana e lituana). Comecei o processo da cidadania italiana. A felicidade não cabe dentro de mim. Eu já não tinha planos de voltar para o Brasil. Essa descoberta foi um presente impagável. Como descobri a cidadania (meu caso é judicial materno e eu não preciso ir para a Itália), estou decidindo ainda o que fazer. O processo leva uns dois anos e meu tempo na Irlanda está acabando. Estou pesquisando opções para ficar legalmente esperando meu documento sair. Depois que estiver em mãos, vida nova”, afirmou a ex-tripulante que não pensa em retornar para o Brasil. “Brasil não mais. Amo meu país, mas não me vejo morando e vivendo mais lá”. Na Irlanda, ela precisou recorrer ao sistema de saúde apenas uma vez. “Foi normal. Aqui não é muito bom para nós estudantes. Hooooooras na fila. Mega caro. Nós estudantes temos um seguro meia boca, que não cobre praticamente nada. Se você pode arcar com um melhor, é melhor”. Como gosta muito de viajar, ela é adepta das viagens pela empresa Ryanair. “É a nossa deusa. Companhia aérea low coast que vende voos a partir de €9,99. Não podemos levar bagagem, apenas de mão. Tudo extra é pago, mas o que podemos exigir de uma empresa que nos faz viajar praticamente de graça? Dependendo do estilo de viagem de cada pessoa, você consegue viajar muito. Eu sou o estilo mochileira e fico apenas em hostels e afins, o que faz a viagem se tornar mais barata e extremamente interessante pelo fato do intercâmbio entre as culturas também”.
Antes consumista, agora virou econômica. A vida de estudante fora do país mudou os comportamentos de Karen. “Sempre fui muito mão aberta e consumista, mas a partir do momento em que pisei aqui isso mudou. Aqui sou eu e eu. Sendo assim, a travinha da responsabilidade mudou. Geralmente as pessoas chegam aqui, gastam todo o dinheiro com festas, bagunças e afins (e tudo bem, desde que você possa arcar com as consequências depois rs). Eu fiz o contrário. Cheguei, busquei um trabalho. Depois de três meses, comecei a viajar e usufruir de tudo. Vai de pessoa para pessoa. Aqui tem o terceiro maior salário mínimo da UE (€10.10/hora). Se você trabalha mais de 20h, com certeza dá para fazer um pé de meia e juntar grana sim. Tenho uma vida tranquila, porém, não ligo para luxo” afirmou a estudante que aconselha todos a virem conhecer a Irlanda. “Muitas pessoas têm medo/receio de vir depois de certa idade (geralmente depois dos 30). Eu, particularmente acho a melhor idade. Nossa cabeça está formada. Temos mais foco. Faremos mais coisas usando a razão e não a emoção. Venham sim! Tem espaço para todos!”
Leia mais
Conheça histórias de brasileiros que após os 40 largaram tudo no Brasil e foram morar na Irlanda