nova zelândia

Há quatro anos, o publicitário Marcos Souza, 44 anos, a mulher e o filho de 12 anos do casal vivem na Nova Zelândia, mais precisamente na cidade de Wellignton. Cansado da insegurança do Rio de Janeiro, ele vendeu tudo e decidiu morar no país da oceania. Marcos falou um pouco de como foi a mudança, os motivos que os levaram a trocar de país, as dificuldades encontradas no início, e como está sua vida agora.  “Desde que chegamos aqui, nossa vida foi bem intensa, tensa e emocionante.  Levando em consideração o meu objetivo, o que eu vim buscar, encontrei o que desejava: segurança, tranquilidade, qualidade de vida. A vantagem de viver e trabalhar em um país desenvolvido, como a Nova Zelândia, é a relação de igualdade entre as classes e profissões. O salário aqui é calculado por hora e a disparidade entre profissões de menor qualificação com as de maior qualificação não é tão acentuada, tão desigual. Isso permite que as pessoas, em diferentes camadas econômicas tenham acesso aos mesmos bens e serviços”. Confira abaixo um pouco sobre a história da família.

De onde surgiu a ideia? O que o motivou a mudar do Brasil?

A ideia de morar fora do Brasil veio aos poucos. Desde novo eu sempre tive vontade de rodar o mundo, não necessariamente morar em outro país, mas depois de acompanhar toda a deterioração política e de segurança no Brasil nos últimos 20 anos, principalmente na minha cidade, essa ideia começou a tomar forma de projeto. Vários episódios negativos que presenciei nos últimos anos foram se somando para tomar esta decisão, além do fato de ter perdido amigos vítimas da violência urbana. Duas situações em especial ocorreram comigo e, a partir dali, de fato, comecei a colocar as coisas no papel. Um destes episódios marcantes foi o caso do menino João Hélio, morto no Rio, no mesmo ano que meu filho mais novo nasceria. Ele nasceu em setembro e o caso do João Hélio foi em fevereiro. Minha esposa já estava grávida e aquela situação chocante ficou marcada na minha memória por muito tempo.

Ainda traumatizado por aquele episódio trágico do passado, quando meu filho completou cinco anos, infelizmente, comecei a treiná-lo e orientá-lo para, em caso de alguém nos abordar ou tentar levar nosso carro, que ele não ficasse nervoso, não chorasse, não gritasse e apenas tirasse o cinto de segurança e saísse do carro o mais rápido que pudesse. Tentávamos ser o mais suave possível, levando este tipo de orientação na brincadeira, mas enfatizando a seriedade dos fatos caso ocorresse um dia. E um dia aconteceu.

Não uma situação de violência contra nós, felizmente, mas uma abordagem da polícia a um carro que estava em fuga. Quando eu percebi a situação, no reflexo, só tive tempo de chamar ele pelo nome e ele disse: “Já tirei o cinto, pai. Eu tô vendo a polícia pegando os bandidos.” Olha, ao mesmo tempo que fiquei surpreso e aliviado, fiquei assustado. Como fica a cabeça de uma criança criada em condições de prontidão, de guerra, de medo, que a qualquer momento ela, ou a gente, pode ser testemunha de uma situação irreversivelmente devastadora para qualquer ser humano.

O outro episódio ocorreu algum tempo depois, quando estávamos passeando por um shopping no Rio. Era dezembro, se não me engano, época de compras e ocorreu um arrastão no shopping center. Estávamos saindo da escada rolante quando vimos a correria e só tive tempo de empurrar minha esposa e meu filho para dentro de uma loja que estava fechando as portas, sendo que eu acabei ficando do lado de fora por algum momento e entrei em seguida com minha esposa falando que estávamos juntos. Nesta cena toda meu filho em pânico, pequeno ainda, não lembro a idade exata, chorando, várias pessoas nervosas, correria, gritaria… um completo caos. Do lado de fora, na rua, aquela cena clássica de situações como esta: tiroteio, correria da polícia. Enfim, é um resumo do resumo, entre tantas outras situações cotidianas que, somadas, foram o estopim para tomar a decisão de deixar o Brasil.

Logo após estas situações, em 2013, tive uma oportunidade de trabalhar em Angola e África do Sul e estava fazendo planos de morar por lá, o que acabou não se concretizando. Depois de alguns meses trabalhando em alguns países na África, retornei ao Brasil e iniciei meu próprio negócio, uma aposta ousada naquele momento, dada as condições econômicas que estavam se agravando no país, mas felizmente o esforço valeu a pena. A empresa evoluiu bem, após o primeiro ano já estávamos lucrando e foi o momento de fazer a jogada final e aproveitar a boa fase do negócio para fazer as malas de vez. E foi assim.

Vendemos tudo que tínhamos. Tudo mesmo! Desde a nossa casa para turbinar o negócio, até fogão, cama, televisão, absolutamente tudo que tínhamos e que pudesse ser mais um real na poupança, nós vendemos. Fomos morar no apartamento da minha sogra por alguns meses e depois fomos para o apartamento do meu sogro, um kitchenette para solteiros que agora tinha uma família. Dormíamos no chão, espremidos em colchão entre a porta da sala e a do banheiro, mas tudo tinha um propósito. Enquanto isso, eu continuava trabalhando e minha esposa, em casa, no “cafoffice” (cafofo que virou home office) fazia a gestão contábil e administrativa o nosso negócio, que já estava em processo de venda, pois eu havia iniciado alguns meses antes da mudança radical. E foi assim, em agosto de 2016 a venda do meu negócio foi finalizada, recebemos a nossa grana e ali foi dado o pontapé.

Inicialmente nosso destino seria o Canadá, mas a Nova Zelândia entrou pela porta dos fundos aos 45 do segundo tempo, porque o dólar havia disparado na semana que eu iria fechar um pacote. Na sequência minha esposa começou a pesquisar, achamos a NZ, dólar mais baixo, na época havia regras mais flexíveis para vistos. Decidimos sem saber muito como era, apenas que era um “país bonito”, seguro e excelente para famílias. Chegamos aqui em novembro de 2016 como turistas, dispostos a ficar, mas sem querer correr riscos comprando cursos e gastando demais. Fomos um passo de cada vez e já estamos completando 4 anos em novembro de 2020.

O que foi mais difícil?

Sem dúvida o mais difícil foi o sotaque kiwi. O inglês não estava bom e ainda não conhecíamos as peculiaridades do idioma local. O resto, com jeitinho a gente se vira e resolve as coisas. Há muito informação disponível e quando a gente tinha dúvidas recorria aos grupos na internet para buscar ajuda. Antes de vir pra cá, tivemos alguns poucos meses de pesquisa e nos concentramos em questões relacionadas ao nosso perfil familiar. Isso ajudou bastante a entender onde podíamos obter determinadas informações, serviços, comidas específicas, ajuda. Com um pouco de paciência é relativamente fácil resolver as coisas no início do processo de adaptação.

Pensa em voltar para o Brasil?

Para morar, definitivamente, não. Mas tenho planos de negócio para o Brasil, inclusive um deles já está em desenvolvimento.

Se arrepende de algo?

Me arrependo de não ter tido a coragem de fazer isso antes. Precisei de algumas doses de emoção, como relatei antes, entre outras, que somadas me encorajaram de fazer no tempo que fiz. Mas estou feliz, acho que tudo tem seu tempo e tem sido muito bom, pois estou em um momento diferente da minha vida. Acredito que a maturidade de hoje me fez tomar decisões mais acertadas, ainda que tardia, do que se tivesse feito isso antes.

Conte um pouco sobre o seu dia a dia por ai na Nova Zelândia…

Vou fazer um resumo da minha trajetória desde que chegamos aqui, pois foi bem intensa, tensa e emocionante (risos). Cheguei em novembro de 2016 como turista, consegui alguns trabalhos na minha área profissional (comunicação visual – vídeo e fotografia), mas não consegui visto de trabalho nessa área.

Então, para fazer o dinheiro render e pagar as contas (caras) eu e minha esposa arregaçamos as mangas e fomos trabalhar como cleaner (faxineiro). Eu, inclusive, consegui uma oportunidade fixa em um restaurante para fazer faxina todo dia às 4am. Minha esposa é Software Engineer, mas depois da faxina trabalhou como kitchen hand (lavando louça) em um restaurante tailandês. É preciso mencionar essas coisas, pois muitos acham que mudar de país é só glamour. Ledo engano (risos). Pois bem, passados alguns meses, exatamente sete meses depois de chegar aqui, consegui uma oportunidade para trabalhar em uma fábrica de peças de granito e mármores para cozinha, banheiro, e pude aprender o ofício, que aqui é chamado Stonemason, em tradução literal: pedreiro. Mas na prática seria o profissional de marmoraria no Brasil. Depois de aprender todo o processo de fabricação manual, passei a operar máquinas e fazer os projetos. Hoje trabalho na maior empresa da Nova Zelândia neste setor e sou gerente de produção da nova filial que abrimos cerca de três meses atrás aqui na capital, Wellington.

Minha esposa conseguiu um emprego na área de TI depois de lavar muita louça tailandesa (risos). 

Os trabalhos pagam bem?

Sim e não. Tudo depende do ponto de vista e objetivo pessoal de cada um. Eu não me mudei para cá pensando em fazer dinheiro, como é o caso de muitos imigrantes que se arriscam nos EUA, por exemplo. Embora a Nova Zelândia seja o terceiro país mais capitalista do mundo, o mundo aqui gira diferente e eles não incentivam isto. O foco da Nova Zelândia é qualidade de vida e segurança. E isso nós temos de sobra por aqui.

 É cara a vida?

Sim. Principalmente aluguel e comida. O restante é razoável e certas coisas são realmente muito baratas; roupas no Kmart e Warehouse, por exemplo. (lojas de departamento)

Dá para viver bem e guardar dinheiro?

Sim e não. Como eu disse, tudo depende do perfil de cada um. Muitos estão aqui como estudantes internacionais, pagam muito caro por seus cursos e ainda pagam aluguel de quartos compartilhados toda semana. Para quem vive no salário mínimo, dá pra viver, sem luxos ou extravagâncias e aproveitar toda a vida outdoor que o país oferece. No meu caso, uma família em que ambos trabalham, é possível viver confortável e juntar uma graninha. Tudo depende do perfil de cada um. Há maneiras de economizar na Nova Zelândia.

Se puder, dar uma noção de valores, de gastos, de aluguel, de comida para você e, por exemplo, uma família de três pessoas, por exemplo.

Usando o meu caso como exemplo. Eu pago aluguel de 520 dólares por semana em uma casa de 2 quartos. Bem confortável em uma localização ótima, perto da praia, comércio, escolas. Energia, água, internet são pagos mensalmente.

Energia: média de 120 dólares/mês, agua: 50 dólares/mês e internet: 80 dólares/mês (fibra ótica 100Mbps). Compras de mercado, varia muito. Há excelentes opções de comida por 1 dólar no Pak n’ Save, por exemplo, e são excelentes. Arroz, macarrão, pão… tudo por 1 dólar. Como os salários são pagos semanalmente, eu gasto em torno de 100 a 200 por semana. Uma família com 2 adultos e uma criança. As vezes mais, quando quero fazer um churrasco.

E de ganhos também?

A vantagem de viver e trabalhar em um país desenvolvido, como a Nova Zelândia, é a relação de igualdade entre as classes e profissões. O salário aqui é calculado por hora e a disparidade entre profissões de menor qualificação com as de maior qualificação não é tão acentuada, tão desigual. Isso permite que as pessoas, em diferentes camadas econômicas tenham acesso aos mesmos bens e serviços. É claro que há opções para todos os bolsos, mas os ganhos são muito equiparados. Vou dar um exemplo: um eletricista ou um carpinteiro podem ter o mesmo salário/hora de um programador de jogos de computador.

Estou falando de algo em torno de 35 a 45 dólares a hora. Pode variar para mais ou para menos, dependendo da experiência de cada caso. Mas é só um parâmetro. Os salários aqui não são baseados na profissão, como no Brasil, por exemplo. O que vale é o valor hora ou o valor anual. Enfim, é diferente, é mais justo, e eu gosto do sistema daqui.

Estudo, saúde, segurança, como é? Teve experiências nessas áreas?

Levando em consideração o meu objetivo, o que eu vim buscar, eu encontrei o que desejava: segurança, tranquilidade, qualidade de vida. As escolas são excepcionais, todas possuem excelente infraestrutura e são acessíveis a todos os cidadãos. Falando de educação. As escolas são classificadas de acordo com o nível socioeconômico da região. Regiões de renda mais baixa o governo complementa o orçamento das escolas para garantir a mesma infraestrutura das regiões mais favorecidas. Com isso você consegue oferecer o mesmo ambiente escolar para todos igualmente. Meu filho está no ano 8 e nós pagamos uma doação para escola, que é pública, de cerca de 300 dólares por ano. Com isso o governo não precisa complementar o orçamento daquela escola e foca em outras regiões mantendo os mesmos padrões de atividades. A metodologia e a abordagem do ambiente escolar são completamente diferentes.

Há uma atenção especial em formar o cidadão antes do aluno. O aprendizado é parte do processo de formação e não o objetivo primário. É diferente, mas eu gosto. Em relação à saúde, precisei poucas vezes, mas em todas foi uma experiência excelente. A diferença, assim como as escolas, alguns serviços públicos são pagos. Quando quebrei meu dedo, fui atendido na emergência e paguei pelo exame de raio-x, cerca de 30 dólares. Todo o resto, inclusive as visitas de retorno para trocar o curativo, foram gratuitas. No caso de alguns medicamentos, com a receita médica você paga um valor padrão de 5 dólares por antibióticos, por exemplo. Sem falar na qualidade das instalações. Os hospitais parecem mais hotéis do que um prédio público de saúde. Enfim, paga-se caro para viver, mas há uma contrapartida.

O que é mais complicado na vida nova? Nessa mudança de vida?

Acredito que o mais difícil seja reconectar pessoas. Se conectar a novas pessoas, recriar um círculo de amizade. Você faz amigos, mas não os seus amigos, aqueles que você pode fazer uma piada em comum, uma história, isso realmente é o mais duro. Bens, casa, coisas, isso você recupera com o tempo, mas as relações pessoais são muito diferentes quando você resolver abrir mão do seu país.

O que é o melhor de viver na Nova Zelândia?

Parar o carro no sinal vermelho às 3 horas da madrugada. É sério, isso faz muita diferença pra mim (risos). Mas é o dia-a-dia mesmo, a rotina de viver em país menos burocrático, poder resolver as coisas sem ter de carimbar e reconhecer firma, sabe? Ainda há situações que a palavra basta. As pessoas são gentis, mesmo quando cruzo com um desconhecido caminhando sob chuva as pessoas me dão bom dia. Coisas simples que fazem muita diferença e que estamos perdendo.

E os seus planos para o futuro, quais são?

Nosso próximo plano, já para 2021, é obtermos nosso visto de residente permanente aqui na Nova Zelândia (já está em processo). Os próximos passos serão iniciar um negócio próprio por aqui e dar continuidade aos projetos que tenho para o Brasil. Depois disso, ou durante, quero comprar um barco para velejar pelas ilhas do pacífico. Morar na NZ e não ter um barco não é uma experiência completa. Os planos estão em andamento.

Por: Henrique Fernandes (henrique@assessiva.com.br)

Leia mais

Moradora de Dublin, arquiteta paulista obtém cidadania italiana no meio da pandemia

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

*